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DESMISTIFICANDO 4 NEUROMITOS COMUNS: EXPLORANDO CONCEITOS ERRÔNEOS DO ENSINO "BRAIN FRIENDLY"

Traduzido por: Aglaia Ruffino Jalles

Os recentes avanços na pesquisa em neurociência trouxeram esperança para professores ao redor do mundo. Parecia que muitos dos desafios em sala de aula seriam resolvidos com uma compreensão profunda do cérebro. De fato, promover metodologias (supostamente) "baseadas no cérebro" para que professores e alunos aprendam mais e melhor tem sido um negócio muito lucrativo. No entanto, os próprios neurocientistas alertaram a comunidade educacional sobre a falta de aplicabilidade prática que a neurociência tem para a educação, pelo menos até agora¹. Como discuto no artigo "Você tem que conhecer neurociência para ensinar bem?", é realmente muito cedo para fazer conexões diretas entre descobertas neurocientíficas e educação, pois a primeira está ainda muito distante da realidade da aprendizagem.

E ainda assim, vemos cada vez mais estratégias "baseadas em neurociência" sendo promovidas no campo educacional. O problema é que a maioria dessas estratégias advém de interpretações simplistas e errôneas das descobertas da neurociência, que propagam ideias falsas sobre o cérebro e o processo de ensino-aprendizagem². Essas concepções errôneas se tornaram tão comuns que receberam o nome de neuromitos.

Aqui estão alguns dos neuromitos mais comuns e por que eles são falsos:

1. Estudantes com Dominância Cerebral Esquerda ou Direita:

Você provavelmente já se deparou com uma pesquisa online que afirmava revelar se você é dominado pelo lado esquerdo ou direito do cérebro. Essa ideia também está presente nas escolas. Não é incomum ver cursos para professores sugerindo que eles devem identificar cada aluno como com dominância do lado esquerdo ou direito do cérebro para planejar atividades apropriadas para cada "tipo" de aluno. Supostamente, as pessoas com dominância do lado esquerdo são mais lógicas, analíticas e organizadas; enquanto as pessoas com dominância do lado direito são mais emocionais, criativas e intuitivas. Segue-se que esses cursos sugerem que os professores se apoiem nas inclinações de cada "tipo de cérebro" para facilitar o processo de aprendizagem. O problema é: isso não tem absolutamente nenhuma evidência científica.

Para ser completamente justa, há de fato uma conexão entre os hemisférios do cérebro (esquerdo e direito) e a lateralidade. Isso significa que o hemisfério cerebral dominante de um indivíduo irá determinar se a pessoa é destra, canhota, ambidestra ou se tem o que é chamado de lateralidade cruzada. No entanto, isso está relacionado apenas ao uso físico de partes do corpo, como mãos, pés e olhos, mas não está correlacionado com a aprendizagem.

Não há nenhuma prova científica de que as pessoas tenham diferentes tendências de aprendizado relacionadas ao seu lado dominante do cérebro. De fato, independentemente do hemisfério dominante do indivíduo, tanto o hemisfério esquerdo quanto o direito são extremamente importantes para que os seres humanos funcionem adequadamente. Mais importante ainda, ambos os hemisférios do cérebro estão em constante comunicação, o que é essencial para seu funcionamento como um todo. O corpo caloso é a região do cérebro que permite a conexão dos hemisférios esquerdo e direito do cérebro. Ele é composto por milhões de axônios neurais, que transmitem informações de um hemisfério para o outro. Esses axônios neurais transmitem informações de um lado do cérebro para o outro o tempo todo, o que significa que ambos os hemisférios trabalham juntos constantemente para que o cérebro funcione adequadamente.

Certamente, diferentes processos mentais dependem mais de um hemisfério do que de outro, como a linguagem. A linguagem geralmente depende mais do lado esquerdo do cérebro, porque é o local da área de Wernicke, da área de Broca, do giro angular e do córtex insular; todas áreas essenciais para a função da linguagem. No entanto, apesar da dominância esquerda na função da linguagem, o cérebro ainda depende da comunicação entre seus dois hemisférios para poder usar a linguagem de forma eficiente.

Além disso, estudos de neurociência mostram que pessoas que sofreram lesões no hemisfério esquerdo do cérebro podem desenvolver a função da linguagem no lado direito do cérebro como resultado³. Isso indica que os diferentes hemisférios do cérebro não estão completamente cimentados em certas funções, como a ideia de "pessoa com dominância do lado esquerdo ou direito" nos faz acreditar. O cérebro é extremamente plástico e pode se adaptar de maneira brilhante a diferentes condições⁴. Esse fato contradiz a ideia de que um indivíduo "dominado pelo lado direito" tem necessariamente essa ou aquela característica por toda a sua vida, já que o cérebro pode se reorganizar, aprender e se adaptar de maneira tão eficiente.

Portanto, ensinar cada aluno usando um conjunto limitado de estratégias dependendo de sua "lateralização cerebral" não segue nenhuma base científica. Na verdade, essa estratégia vai contra as informações que as recentes pesquisas neurocientíficas nos sugerem. É muito mais benéfico usar uma variedade de estratégias de ensino com todos os alunos do que dividir os alunos em tipos específicos e usar apenas estratégias analíticas de ensino para "alunos com dominância do lado esquerdo" e estratégias de ensino mais criativas ou artísticas para "alunos com dominância do lado direito". Na verdade, todos os alunos devem ter experiências com diferentes estratégias de aprendizagem para desenvolver todas as suas funções cognitivas como um todo.

Conforme as neurocientistas Anna Márquez e Marta Tressera⁵ colocam de forma brilhante, "o cérebro dos estudantes está preparado para se adaptar às exigências de seu ambiente educacional. Assim, se o ambiente pede apenas repetição e memorização de informações, a neuroplasticidade permitirá que seus cérebros se adaptem e se especializem nesse tipo de função. Em contraste, se os requisitos educacionais incluírem o desenvolvimento de outras funções cognitivas complexas, como a capacidade de resolver problemas, tomar decisões e pensar criativamente, a plasticidade cerebral que está por trás do processo de aprendizagem permitirá que os cérebros dos alunos se especializem nessas funções." (tradução própria, p. 42).

Assim, categorizar os alunos em "tipos de cérebros" e restringir suas experiências educacionais a sua "categoria" não os ajudará necessariamente a aprender melhor, mas certamente limitará seu desenvolvimento cognitivo e pessoal.

2. Estilos de Aprendizagem

Um mito muito semelhante ao da "dominância do lado esquerdo" ou "dominância do lado direito" é a ideia de que cada pessoa tem um estilo de aprendizagem específico e fixo. Segundo o "programa" de estilos de aprendizagem, cada indivíduo tem um estilo de aprendizagem específico que, se usado, permitirá uma aprendizagem mais eficiente. Supostamente, os estilos são visual, auditivo e cinestésico. Esses estilos corresponderiam ao canal sensorial preferido do indivíduo: a visão, a audição ou o movimento e sensação físicos. No entanto, não há evidências empíricas de benefícios reais relacionados a essa prática educacional. Na verdade, como já discutimos, parece que a neurociência sugere o oposto do programa de "estilos de aprendizagem" para ensinar de maneira mais eficaz.

Sim, as pessoas podem ter (e de fato têm) preferências quando se trata de aprender/estudar. Alguns alunos se sentem mais à vontade lendo sobre um assunto, enquanto outros têm mais facilidade assistindo a um vídeo sobre esse mesmo assunto. Esse não é o ponto que quero discutir. O mito aqui é a ideia de que nós, professores, devemos atribuir apenas tipos específicos de atividades a certos alunos e outros tipos de atividades a outros alunos.

Por exemplo, a ideia de estilos de aprendizagem sugere que, se uma sala de aula for dividida em "aprendizes visuais e cinestésicos", o professor teria que planejar um tipo de atividade visual (por exemplo, uma apresentação em vídeo) para os aprendizes visuais e uma atividade cinestésica (por exemplo, um jogo em movimento) para os aprendizes cinestésicos para ensinar o mesmo assunto aos diferentes grupos de alunos.

Não me entenda mal, sou totalmente a favor de planejar atividades diferentes para ensinar um único assunto, mas por razões completamente diferentes dos "estilos de aprendizagem". E aqui vão as razões pelas quais a ideia dos "estilos de aprendizagens" está equivocada:

 

Em primeiro lugar, é extremamente difícil determinar claramente um único estilo puro de aprendizagem para cada indivíduo para todas as funções cognitivas⁵. Na maioria dos estudos que tentaram determinar o estilo de aprendizagem dos indivíduos, os participantes se situavam na zona intermediária, usando diferentes estilos de aprendizagem para diferentes situações. Isso significa que há pouco ou nenhum indivíduo com um estilo de aprendizagem "puro"⁶ por si só.

 

Em segundo lugar, a verdadeira evidência que foi verdadeiramente comprovada por estudos empíricos é que uma variedade de métodos sensoriais de ensino beneficia todos os alunos da mesma forma. Não se restringir a um único canal sensorial, mas usar uma variedade de estratégias de ensino que provoquem diferentes canais sensoriais é verdadeiramente benéfico para todos os alunos. Claro que devemos considerar e respeitar as preferências individuais de cada aluno, mas, como professores, devemos sempre buscar encontrar maneiras mais variadas de criar experiências significativas para os alunos e, às vezes, desafiá-los a irem além de sua zona de conforto.

 

Em termos neurocientíficos, quanto mais redes neurais são provocadas ao aprender um assunto, mais representações mentais relacionadas a esse assunto serão criadas no cérebro, o que facilitará para os alunos lembrá-lo e relacioná-lo a novas informações adicionais. Isso significa que quanto mais atividades e experiências variadas um indivíduo tiver para aprender/estudar um assunto, é mais provável que ele assimile e memorize melhor o conhecimento.

 

Em conclusão, não classifique seus alunos em categorias de "esses assistirão a vídeos", "esses farão modelos", "esses lerão", etc. Ofereça a todos os seus alunos uma variedade de maneiras de pensar e aprender. Mostre-lhes vídeos, promova debates, proponha uma atividade artística relacionada ao assunto, conte uma piada, proponha desafios divertidos, leve-os para um passeio fora da sala de aula, deixe-os tocar, ver, ouvir, imaginar, brincar... Faça da aprendizagem mais do que apenas uma ideia limitada do que cada pessoa pode ou não pode fazer.

3. Usamos apenas 10% do nosso cérebro

A ideia de que usamos apenas 10% do nosso cérebro é comumente usada em tramas de filmes, como Lucy (2014) ou Limitless (2011), e não é um problema uma história de ficção científica contar contos fantásticos (clique aqui para mais filmes desse gênero). No entanto, na realidade, esse "conto" é completamente falso. Se usássemos apenas 10% do nosso cérebro, teríamos problemas neurológicos e cognitivos extremamente sérios.

De fato, não há zonas obscuras no cérebro que os cientistas ainda não conheçam⁶. Muitas funções cerebrais dependem de uma série de redes neurais articuladas que estão espalhadas por todo o cérebro. Para a maioria dos seres humanos, não há áreas do cérebro que nunca são ativadas, a menos que haja algum problema neurológico.

 

Conforme afirmam as neurocientistas Anna Márquez e Marta Tressera⁵: esse mito possivelmente vem de uma interpretação errônea da neuroimagem cerebral. Relatórios de pesquisa e artigos no campo da neurociência geralmente mostram neuroimagens da ativação de partes do cérebro que estão sendo investigadas em um estudo específico. Essas imagens mostram apenas a ativação das áreas de interesse e pode parecer que o resto do cérebro não está funcionando, no entanto, esse não é o caso. Na verdade, o cérebro inteiro tende a estar ativo na maior parte do tempo da vida de uma pessoa, mas as neuroimagens que aparecem em estudos científicos mostram apenas a ativação das áreas de interesse para os propósitos de uma investigação específica.

Claro que nosso cérebro é extremamente plástico e pode mudar ao longo do tempo. Sempre podemos aprender novos conceitos, informações e habilidades. Talvez se considerarmos todo o conhecimento da humanidade que há para aprender, a maioria das pessoas realmente sabe menos de 10% deste. Mas, novamente, isso não significa que usamos apenas 10% do nosso cérebro, isso apenas significa que sempre podemos aprender mais. Para a maioria das pessoas, todas as áreas do cérebro humano (ou 100% dele) funcionam e são usadas diariamente.

4. Brain Gym

A ideia de que existem certos exercícios ou movimentos que são especialmente benéficos para o cérebro pode ser encontrada em muitos programas oferecidos ao redor do mundo. Muitos programas famosos de fato afirmam ensinar certas habilidades motoras e exercícios de equilíbrio que supostamente ajudam na organização cerebral, foco e outros benefícios cognitivos. Infelizmente, não há quantidade de dinheiro que possa comprar um curso que ensine movimentos exatos para tornar seu cérebro "mais eficaz", mais focado ou mais "funcional". Isso porque tal curso não existe.

De fato, já foi  comprovado que o exercício físico melhora a saúde mental e muitas funções mentais, como concentração, alerta, memória, humor, etc. Wendy Suzuki é uma neurocientista que, entre outros, tem se dedicado à pesquisa sobre os efeitos das mudanças cerebrais decorrentes do exercício físico, e seu trabalho confirmou os muitos benefícios do exercício físico para várias funções mentais e para a saúde mental⁷, como maior atenção, melhora da memória, melhora do humor, diminuição da ansiedade e da fadiga, etc. (confira sua palestra do TEDTalks se quiser saber mais sobre os benefícios do exercício físico para o cérebro).

Então, se o exercício físico é de fato benéfico para o cérebro, porque a ideia de Brain Gym é um mito?

 

Os benefícios do exercício físico para o cérebro (e corpo) são 100% reais. No entanto, o mito está na ideia de que apenas certos movimentos e exercícios específicos são bons para o cérebro. O fato é que você não precisa comprar um programa caro que ensine os movimentos corretos para que seu cérebro melhore; QUALQUER tipo de exercício físico terá os mesmos impactos positivos nas suas funções mentais e saúde. Talvez ainda mais se for um exercício físico que você goste em vez de uma série de movimentos estranhos e chatos.

Para os professores: sim, você deve planejar atividades que envolvam movimento em sua sala de aula e você deve garantir que a escola onde você trabalha valorize a atividade física e permita tempo suficiente para que os alunos possam se envolver nela. Mas o ponto é: não gaste seu dinheiro valioso e seu tempo precioso com programas que afirmam ter descoberto os movimentos ideais para os cérebros de seus alunos, porque qualquer movimento é um movimento ótimo para o cérebro. Desde pular corda até brincar de esconde-esconde, de dançar a fazer caminhadas ao redor da escola ou em parques, você tem uma ampla variedade de possíveis exercícios físicos que pode fazer sozinho ou propor aos seus alunos, e que são gratuitos e tão benéficos quanto qualquer outro exercício.

Resumindo…

Esses são apenas alguns dos neuromitos que vemos circulando em canais informativos. Infelizmente, há muito mais mitos sendo divulgados online, em instituições e escolas. Na verdade, muitas vezes esses mitos são criados ou disseminados por pessoas com as melhores intenções, nem sempre eles são disseminados com o objetivo malicioso de causar desinformação. E essa é mais uma razão pela qual sempre devemos ter cuidado e ser críticos em relação às novas informações que cruzam nosso caminho.

A crescente fama da neurociência é muito positiva no sentido de permitir que mais pessoas sejam informadas sobre descobertas muito interessantes e importantes desse campo de pesquisa, mas também apresenta certos riscos. Muitos estudos de neurociência são complexos e têm muitas nuances e, por isso, podem ser mal interpretados ou simplificados em excesso para se tornarem mais "vendáveis" ou "aplicáveis". Assim, é fundamental que todos nós, como educadores, pais, alunos ou apenas pessoas interessadas, estudemos a neurociência com um olhar crítico e busquemos fontes confiáveis e bem fundamentadas para nossas informações.

E você? Você já viu ou ouviu falar de outros neuromitos circulando por aí que não foram discutidos nesse artigo? Comente abaixo e compartilhe conosco! 

Se você deseja aprender mais sobre como a neurociência pode VERDADEIRAMENTE ser uma ferramenta para a educação, com uma base científica real de neurocientistas e educadores conhecedores, eu recomendo:

See this content in the original post

'10 Ideas Clave Neurociencia y Educación: Aportaciones para el Aula'  by Anna C. Márquez and Marta P. Tresserra (para leitores de espanhol).

'Educational Neuroscience: The Basics' by Cathy Rogers and Michael S. C. Thomas

REFERÊNCIAS

1 Goswami, U. (2006): "Neuroscience and education: from research to practice?". Natural Review Neuroscience, vol. 7, p. 406–413. DOI:10.1038/nrn1907

2 Morrison, H.; Purdy, N. (2009): "Cognitive neuroscience and education: unravelling the confusion". Oxford Review of Education, vol. 35, p. 99-109. DOI: 10.1080/03054980802404741

3 Sveller C. et. al. (2006): "Relationship between language lateralization and handedness in left-hemispheric partial epilepsy". Neurology, vol. 67. DOI: https://doi.org/10.1212/01.wnl.0000244465.74707.42

   Thiel, A. et. al. (2006): "From the left to the right: How the brain compensates progressive loss of language function". Brain and Language, vol. 98, p. 57-65. DOI: https://doi.org/10.1016/j.bandl.2006.01.007 

4 Lövdén, M. et. al. (2013): "Structural brain plasticity in adult learning and development". Neuroscience & Behavioral Reviews, vol. 37, p. 2296-2310. DOI: https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2013.02.014.

5  Márquez, A. C.; Tresserra, M. P. (2018): "10 ideas clave neurociencia y educación: Aportaciones para el aula". Editorial GRAÓ, 1st edition.

6 Spinath, B. (2019): "Psicología de la educación". Mente y Cerebro, n. 94, p. 78-82.

7 Basso, J.; Suzuki, W. (2017): "The effects of acute exercise on mood, cognition, neurophysiology, and neurochemical pathways: A review". IOS Press, p. 127-152. DOI: DOI 10.3233/BPL-160040

  Lee, Y.; Ashman, T.; Shang A.; Suzuki, W. (2014): "Brief report: effects of exercise and self-affirmation intervention after traumatic brain injury". NeuroRehabilitation, vol. 35, p. 57-65. DOI: 10.3233/NRE-141100

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